Andreas Bäuml (1991) é o compositor que, na sequência de uma chamada lançada no Verão de 2024, o ars ad hoc seleccionou para escrever uma nova obra para quinteto pierrot, para o concerto com que encerra a sua mini-temporada de concertos em Serralves. Formado em Música pelo King’s College London e pelo Mozarteum Salzburg, onde estudou com Johannes Maria Staud, Reinhard Febelmas e Sarah Nemtsov, este compositor de Munique tem trabalhado com diversos agrupamentos do mundo da música contemporânea. Dias antes da estreia, fala-nos um pouco do seu trabalho.
[AnT] Porque é que a obra que escreveste para o ars ad hoc tem o título de Shattered Shivers?
[AB] Só escolhi o título depois de concluir a partitura, tentando encontrar um que exprimisse o estado de espírito geral da peça. Foi bastante difícil porque há muitas flutuações de energia e carácter ao longo da peça. No entanto, há um número limitado de elementos entre os quais a peça alterna. Isto fez-me pensar numa oscilação entre diferentes estados, que por vezes são interrompidos, outras vezes evoluem em lenta progressão.
Em Shattered Shivers, parece haver uma pulsação muito estática ou metronómica que varia entre os diferentes instrumentos. O que te inspirou a escolher este tipo de pulsação estável? Tem algum significado especial?
Esta pulsação é um elemento central da peça. Pode representar a passagem do tempo, um batimento cardíaco, um relógio. É importante notar que, embora a pulsação passe entre os diferentes instrumentos, não mantém o mesmo tempo. Muitas vezes abranda ou acelera, pelo que representa mais o tempo que sentimos, enquanto o tempo exterior – o tempo do relógio – não existe realmente a partir de dentro. Também se apresenta em várias cargas energéticas, desde o ataque mais pesado até um estalido pouco audível.

A peça parece também explorar alguma flutuação de alturas em torno da nota Lá. O que é que este elemento representa aqui?
Um dos elementos recorrentes desta partitura é o acorde de fá# menor, que quase poderemos definir como a coluna vertebral harmónica da peça. Sempre que este acorde aparece, cria um momento de estabilidade, ainda que temporária. Depois, muitas vezes desintegra-se, a altura muda e algumas notas dos acordes desaparecem. Numa grande secção, em que apenas a nota Lá está presente, a altura oscila. É um momento fora do tempo. Passado um pedaço, as outras duas notas do acorde surgem novamente, a ilusão de estabilidade regressa.
Como é que Shattered Shivers se encaixa no conjunto do teu percurso criativo? Há alguma nova direcção que penses vir a explorar num futuro próximo?
Desde o ano passado, tenho trabalhado numa nova abordagem à forma, não havendo uma estrutura linear clara, mas mais uma padrão cíclico. Para tal, a duração da peça é menos relevante, o sentido de tempo é menos importante. Isto fascina-me porque talvez isto possa ser um modo de escrever música em que o sentido de tempo e duração se esbatem. Trabalhar em Shattered Shivers também me encheu de curiosidade para trabalhar com mudanças de tempo graduais e padrões. Sou fascinado pela forma como o ritmo traduz energia e gostaria de, nas minhas próximas peças, encontrar algumas formas de explorar as qualidades ritualísticas e a intensidade dos padrões rítmicos.
Trabalhaste já com diversos agrupamentos, como Les Métaboles, Tana Quartet, Ensemble Fractales, Accio Piano Trio e Hebrides Ensemble, entre outros. Como é que a colaboração com estes grupos influenciou o modo como escreves para os músicos?
Trabalhar pessoalmente com agrupamentos e músicos é sempre a melhor forma de aprender como escrever música. Nada substitui a experiência de ensaio conjunto no que toca a sentirmos se a nossa partitura e a nossa ideia da peça não são claras. Não terei sempre a oportunidade de estar por perto e explicar a minha peça, portanto é importante ser muito preciso. Contudo, trabalhar com diferentes agrupamentos também me demonstrou que uma performance é sempre uma colaboração e, enquanto compositor, sou apenas um das duas partes essenciais. A peça não existirá sem os intérpretes e eles trazem para a partitura as suas personalidades e as suas escolhas interpretativas. A peça apenas ganha vida na performance. Tornarmo-nos parte destes processo partilhado é uma experiência muito bonita.

Além dos teus estudos na área da Música – um bacharelato em música no King’s College London, um mestrado na Universidade Mozarteum Salzburgo e uma pós-graduação – também és bacharel em Física. De que forma é que a tua formação científica influencia o teu processo composicional?
Creio que, na minha música, a minha formação científica não desempenha propriamente nenhum papel. Contudo, há um elemento comum nestas duas disciplinas: a atitude para a resolução de um problema. Em Física, é muito comum descrever-se um problema e, depois, encontrar-se as ferramentas adequadas para o resolver de uma forma prática, que seja útil aos objectivos que pretendo atingir. Em composição, o processo pode ser surpreendentemente semelhante. Se tenho uma vaga ideia do estado de espírito ou do sentimento que a minha música deve transmitir, tenho que observar primeiro as condições: que instrumentos tenho disponíveis, que duração pode a peça ter, etc. Depois escolho uma ferramenta, uma técnica de composição, e uma abordagem à forma, uma abordagem ao próprio processo de composição. Esta escolha determina grande parte da peça. Depois vem o trabalho prático de escrever a peça ou, em ciência, calcular a solução com as ferramentas matemáticas ou computacionais escolhidas. Geralmente também gosto de compor de uma forma mais intuitiva, mas enquadrando o processo da composição como um “problema” ajuda-me frequentemente a ultrapassar bloqueios criativos.
Obrigado pelas respostas.