João Moreira (Lisboa, 2004) chegou até à Arte no Tempo quase por acaso, respondendo a uma chamada de propostas em 2022. Em Fevereiro de 2023, o ars ad hoc fez a estreia do seu trio de cordas Atropos, uma das três obras que o grupo mais tocou até agora. Passado um ano, também no Auditório de Serralves, o ars ad hoc estreia novo trio de João Moreira, desta vez para violino, violoncelo, piano e instalação artística, criado em parceria com Maria Silveira. Descubramos o que tem o jovem compositor a partilhar sobre Akte II.
[AnT] Akte II surge no seguimento de uma segunda proposta artística inspirada no trabalho de Hermann Nitsch. Podes falar-nos um pouco sobre esta tua influência e de que forma a peça dá seguimento ao ciclo dedicado ao pintor austríaco?
[JM] Há que fazer notar que esta peça, Akte II, é a segunda peça num ciclo do mesmo nome, contudo, é a primeira a ser desenvolvida. Estas peças unem-se umas às outras do ponto de vista estético e do material, mas não seguem uma sequência, como andamentos de uma obra maior. A idea de criar um ciclo inspirado na obra de Nitsch vem de sentir uma forte relação e semelhança com o seu trabalho, nomeadamente a violência quase tribal e saturação visual, ideias que costumo tratar auditivamente na minha obra.
A obra conta com a participação da Maria Silveira. Como surgiu esta colaboração e de que forma participa a Maria neste formato multidisciplinar?
Esta colaboração surge de um desafio que lancei à Maria, minha amiga de alguns anos. Sempre reconheci o seu grande talento e ambos tínhamos a vontade comum de explorar o trabalho de Hermann Nitsch. Como referimos na nota de programa da obra, o objectivo da peça é criar não só uma saturação sonora como uma sobrecarga visual, fazendo assim com que a música complemente a imagem e vice-versa.
Pegando na aproximação entre a música e as artes plásticas, quando propões uma peça em movimento, esperamos assistir a um concerto com imagem em tempo real? Ou, pelo contrário, já existe uma estrutura visual definida que acompanha a secção instrumental?
Segundo a Maria Silveira, a tela em movimento tem como objectivo absoluto a interacção com o som. A pintura costuma ser eterna, uma imagem que dura para sempre. Esta prolonga-se e muta-se no tempo como uma paisagem sonora, interagindo diretamente com ela. Trata-se de uma estrutura visual definida que é revelada em tempo real. Para o público, ela desenvolve-se perante os seus olhos durante alguns minutos para voltar a desaparecer, com o som que a guia e acompanha.
A primeira obra que escreveste para o ars ad hoc foi estreada há um ano, também em Serralves, e o grupo tem vindo a apresentar diversas vezes esse primeiro trio de cordas. O que te trouxe esta colaboração regular com os músicos do ars ad hoc?
Antes de mais, gostaria de expressar toda a minha gratidão à Arte no Tempo e ao ars ad hoc pelo enorme e fundamental papel que têm tido na construção do meu percurso musical. A colaboração com os músicos nestes dois projectos foi absolutamente essencial no desenvolvimento dos mesmos. O ars ad hoc trouxe-me a possibilidade de apresentar a minha obra em Portugal e trabalhar com excelentes músicos.
As tuas obras têm vindo a revelar uma particular ligação à música de câmara instrumental e, como acontece em Atropos e em Akte II, uma interacção com outras formas de expressão, em particular com as artes visuais. Esta ligação é algo que te interessa continuar a desenvolver, eventualmente com outros formatos também, como a dança ou o teatro.
Absolutamente! A componente performativa é fundamental no meu trabalho. Não só acho importante considerar o resultado sonoro como também o impacto visual da performance. O ciclo Akte tem também o objectivo de desenvolver uma colaboração com artistas de outros meios artísticos para, quem sabe, no futuro, um trabalho multi-disciplinar de maior escala.
Obrigado pelas tuas respostas.