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Solange Azevedo sobre ‘Is the timer set?’

A compositora e artista multidisciplinar Solange Azevedo (Póvoa de Varzim, 1995) estudou na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE – IPP), onde completou a licenciatura e o mestrado em Composição. As suas obras têm sido interpretadas por agrupamentos como Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, Orquestra Calouste Gulbenkian, Remix Ensemble, Dialecticae Trio, Neue Vocalsolisten Sttutgart, MPMP, Síntese – GMC, Quarteto Contratempus e Duo Interdito. Foi Jovem Compositora em Residência na Casa da Música em 2022. A propósito da obra que compôs por encomenda da Arte no Tempo para o concerto de estreia do asamisimasa em Portugal, a compositora respondeu a algumas questões.


[AnT] Esta nova peça evoca uma relação com o tempo e a forma como o percepcionamos em diferentes contextos. De onde parte esta tua inspiração para Is the timer set? e como expressas musicalmente as múltiplas dimensões a que o tempo nos convoca?
[SA] Creio que o facto de a Diana Ferreira me ter dado a lista dos objectos que a Arte no Tempo poderia disponibilizar, para o caso de os querer usar na peça, desencadeou esta ideia de trabalhar sobre o tempo. Não sendo esta a minha primeira obra que se relaciona com o tema*, esta trabalha-o, talvez, de uma forma mais directa. A passagem do tempo e a maneira como o percepcionamos são, de facto, temas pelos quais me interesso. Além disso, o nome da associação, “Arte no Tempo”, também me encaminhou, de forma simbólica, para trabalhar sobre o tema. Is the timer set? pretende apresentar três possíveis formas de percepcionar o tempo, formas estas que estão descritas na partitura, partindo de um “You are late!!”, passando por um “Just in time” e terminando com um “You are waiting!”. Uma das ideias musicais base é o ritmo ao segundo, como se fosse um ponteiro do relógio, que vai sendo mais ou menos audível ao longo da peça. Essa ideia base levou também à criação de outras estruturas musicais, que ora são mais rápidas, ora são mais lentas, desenvolvem-se, são interrompidas ou repetem-se, dependendo do carácter de cada momento.

*Vaivém (2022), para trio de piano, evoca também a relação com o tempo, mas relacionada com o pensamento. 

© Manuel Luís Cochofel

Em Is the timer set? parece existir uma ligação implícita com o tempo, através de sincronias e assincronias, consonâncias e dissonâncias, mas que reflecte também um processo de ligação mais explícita ao tempo, através do recurso a dispositivos como alarmes, campainhas e metrónomos. Neste sentido a peça apresenta uma componente expandida em relação ao clássico trio de clarinete, tornando-se também ela uma peça para percussão. Concordas com esta ideia?
De certo modo, concordo, se bem que a escrita para percussão é bastante simples. Contudo, a percussão ocupa um lugar de destaque, demarcando o conceito da peça e complementando o trio. Mesmo os objectos que são accionados pelos músicos podem soar a percussão, sobretudo o metrónomo, e digo que podem soar, pois a escolha dos sons é deixada à responsabilidade dos intérpretes e, dependendo do som que escolherem, pode soar mais ou menos a percussão.

Em que medida esta relação com o tempo pode ou não conduzir a outras noções com a própria música, nomeadamente aspectos emocionais e perceptivos com a natureza dos sons? A ansiedade, a contemplação e a energia são apenas alguns exemplos deste fenómeno. Também procuras promover esta dimensão com o tempo e com a música, ou preferes fazer o teu pensamento incidir sobre uma noção mais quotidiana do tempo, ou seja, sobre a forma como o tempo nos afecta em relação ao seu contexto?
Sim, creio que a relação com o tempo pode conduzir-nos a aspectos emocionais, aspectos esses que também auxiliaram no processo criativo da peça. Enquanto pensava sobre uma determinada forma de percepcionar o tempo, pensei também nas emoções que se relacionavam com aquela determinada maneira de percepcionar o tempo. Por exemplo, na última parte com o uso da voz, creio que se torna bastante clara essa dimensão mais emocional, com uso de respirações algo exasperadas, que se relacionam com a forma de percepcionar o tempo enquanto se espera.

© João Ferreira

Como acolheste o desafio de compor uma peça para o agrupamento asamisimasa e de que maneira se desenrolou o processo criativo na composição da obra?
Acolhi este desafio com grande entusiasmo. Fui investigar sobre o seu trabalho, sobre o repertório que têm vindo a tocar, que é de grande relevância; e estou muito ansiosa por os vir a conhecer pessoalmente, por poder trabalhar com eles e por os ouvir interpretar a peça que escrevi.
Escrever uma nova peça implica, obviamente, de um ponto de vista pessoal, um caminho para se chegar a um conceito. Para esta peça houve um caminho que começou algo longe de onde foi parar, mas uma vez que lá cheguei, uma série de ideias musicais começaram a fazer sentido e a peça começou a ganhar forma. Por vezes, o conceito nasce a partir de pequenas ideias musicais e, para esta peça, essas ideias estavam relacionadas com o uso de um dos objectos, a campainha. Depois, já com o conceito em mente, fui adicionando outros objectos, que me pareceram fazer sentido. Quando comecei a escrever a peça, tinha a ideia de usar um quarto músico para tocar apenas percussão, contudo, as intervenções não me pareciam suficientes para isso, tendo acabado por distribuir a percussão pelos três músicos. Creio que este ajuste pode ter sido mais interessante de um ponto de vista musical e espacial.

Enquanto compositora, recorres frequentemente à voz para expressar musicalmente o teu trabalho, como acontece com esta nova obra. De onde parte esta tua relação com a voz, que nem sempre surge através do canto e da técnica vocal, mas que antes se expressa através do discurso e de uma prática menos convencional com o corpo?
A voz é um dos meios pelos quais surge algum do material para as obras que escrevo. Para além de me sentar ao piano, há, também, material rítmico, melódico que de forma directa passa pela voz, através da experimentação. Creio que a voz abrange um grande âmbito de possibilidades, seja cantada, seja pelo uso de texto ou apenas pelo uso de sons. A voz foi sempre um meio directo para chegar à música, sendo que uma das minhas primeiras memórias relacionadas com a música é de em criança estar a brincar no quintal de casa da minha avó materna e de trautear melodias que inventava, à procura de sons.
Agora, na prática criativa, quando me parece fazer algum sentido, faço uso da voz, tendo em conta o conceito e o contexto. Nesta peça, creio que a voz se relaciona directamente com estados de espírito que vão ao encontro das percepções temporais presentes na obra. Quando é possível, gosto também de verificar a disponibilidade dos músicos para o efeito, se se sentem confortáveis para falar ou emitir sons, como aconteceu com os asamisimasa.

© Manuel Luís Cochofel

Que outros projectos tens em mãos para o futuro mais próximo?
Estou neste momento a trabalhar em dois projectos bastante diferentes: na escrita do primeiro acto de uma nova ópera em colaboração com o MPMP e na escrita de uma nova obra para os Nomad Duo. Ambos os projectos são muito desafiantes a vários níveis, com artistas fantásticos com os quais tenho um enorme gosto em poder trabalhar. Do primeiro espera-se a estreia para Abril e do segundo para Maio. Ficam convidados para estes e, claro, antes disso, para o concerto com o agrupamento asamisimasa, no dia 16 de Fevereiro, às 21h30, no Teatro Aveirense!!

Obrigado pelas tuas respostas.

entrevista realizada em Janeiro de de 2024, por Tomás Quintais