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Nuno Aroso grava João Pedro Oliveira

Em 2020, Nuno Aroso (Porto, 1978) decidiu pôr em prática mais um dos inúmeros projectos que não consegue evitar idealizar. A Arte no Tempo associou-se-lhe desde o primeiro momento para a gravação e publicação de um disco com obras para percussão de João Pedro Oliveira (Lisboa, 1959), todas elas estreadas por Nuno Aroso, a solo ou em música de câmara. 
A cargo de Carlos Lopes, a gravação foi realizada em 2022 na Casa da Música, com o CLAMAT – colectivo variável, aqui composto por Bernardo Rosado da Cruz, Henrique Ramos, João Pedro Lourenço e Vitória do Bem. Iniciamos o ano a conversar com Nuno Aroso a propósito deste novo disco que será publicado em 2023. 

[AnT] O teu repertório é bastante vasto e, mesmo no domínio da música de compositores portugueses, as possibilidades não são escassas. De onde surgiu a ideia de gravar um disco só com obras de João Pedro Oliveira?
[NA] Este projecto tem vindo a ser preparado há algo mais do que dois anos. Por um lado, a música de João Pedro Oliveira tem uma especial importância no meu percurso. Deste disco constam, precisamente, obras cuja estreia realizei em ao longo de 10 anos: dois solos, um duo, um quarteto e um concerto duplo para vibrafone marimba e ensemble de percussão. Por outro lado, a notoriedade que a figura de João Pedro Oliveira e sua música, incluindo a obra para percussão, têm alcançado mundialmente vem contribuindo de forma considerável para o reconhecimento da cultura musical contemporânea portuguesa. A sistematização da obra em registo fonográfico é, pois, uma importante incumbência artística para o depositário dos trabalhos.

Das cinco obras gravadas, apenas uma resulta de encomenda da Arte no Tempo (para o espectáculo Fog Machine e outros poemas para o teu regresso) – City Walk [2020]. Em que contexto surgiram as restantes?
Com excepção da obra In The House of the Glass King, um concerto para marimba, vibrafone e ensemble de percussão, que parte de uma encomenda dos Dias da Percussão de Portimão, e em que sou apenas convidado para ser um dos solistas, as obras resultam de um impulso dado por mim para propósitos variados. Vox Sum Vitae [2011], a mais antiga (uma encomenda do Atelier de Composição e da Oficina Musical), foi pedida para integrar um programa solo para percussão e electrónica que estreei em Florença, em 2011. Broken Loops [2013], para duo de tímpanos preparados, é uma encomenda pessoal e foi feita para um projecto em duo com o percussionista Rui Sul Gomes, o Timpani et Alia. Estreámo-la em Curitiba, no ano de composição. Bridges and Gardens é um quarteto e resulta de encomenda do Instituto Confúcio, tendo integrado um programa sino-português que se realizou em Braga, na Universidade do Minho.

De entre as cinco obras registadas, há alguma obra com que tenhas estabelecido uma relação mais intensa do que com as restantes? 
Desenvolvi uma relação muito interessante com a obra City Walk. Por ser uma obra para instrumentação aberta, havendo apenas a premissa de serem utilizados objectos de metal, é permitido ao solista experimentar o mesmo texto moldando o espectro tímbrico da obra. Tenho vindo a apresentar a peça ao vivo com instrumentações bastante distintas de acordo com o que me parece ser adequado ao enquadramento. Instrumentação ora mais áspera, ora mais delicada, com mais agudos, com mais graves.  Essa interferência do intérprete, naturalmente, intensifica e estreita a relação com a obra.

Neste registo apresentas-te a solo ou a dirigir percussionistas que formaste. A direcção musical é uma vertente a que tens dedicado maior atenção nos últimos tempos. Trata-se de uma coincidência ou adivinha-se uma nova forma de estar na música? 
Continuarei sempre a tocar, seguramente, em particular nos projectos solo, mas não é coincidência que esteja mais vezes a fazer direcção musical, especialmente com o Clamat – colectivo variável. É, hoje, um projecto central na minha vida musical. Antevejo que o futuro a médio prazo me leve a tocar menos do que tenho tocado nos últimos 20 anos e a dirigir e criar mais, continuando a trabalhar com afinco no desenvolvimento da nova música e na criação de projectos artísticos.

Na era de imediatismo em que vivemos, faz ainda sentido publicar álbuns discográficos?
Não faz sentido. E não fazer sentido será o que, paradoxalmente, poderá oferecer  pertinência à realização de uma edição discográfica. É uma espécie de contra-peso à era de imediatismo que mencionas e que, acrescentaria eu, é também era de simultâneos absência e excesso. 

O CLAMAT – colectivo variável é ainda relativamente recente e este é o primeiro registo comercial em que aparece. O projecto continuará com os mesmos elementos quando as carreiras a solo daqueles jovens músicos se afirmarem ou trata-se antes de um plataforma giratória com maior tendência para acolher jovens músicos? 
Em certa medida, há espaço para as duas coisas coexistirem. É o meu desejo, aliás. A criação da tal plataforma giratória é uma missão. É um passo para a introdução de jovens percussionistas talentosos no mercado de trabalho, um espaço de experimentação e investigação, também. A posterior fixação dos músicos que vão passando por lá é determinante para o sucesso artístico duradouro do projecto. 

Depois de City Walk, prevê a gravação de outros discos monográficos?
Prevejo vir a realizar mais dois discos monográficos, ao longo das próximas temporadas e à medida que se reúnam as condições necessárias. Tenho, efectivamente, planos para tal há muito tempo. É certo que teria material para fazer mais, cumprindo o objectivo que mantenho de gravar apenas obra que tenha estreado ou contribuído para a sua criação. Mas se pensarmos num disco como uma obra de arte, estou convencido de que o “monográfico” poderá não ser sempre a melhor maneira de documentar determinada obra. É preciso que o repertório se adeque, que possa estar junto. Não é garantia disso ter obras do mesmo autor compiladas num disco. Essa pode, aliás, ser a maneira fácil de justificar um disco. Para esses casos gosto mais da ideia do disco temático. Um mote comum, como um concerto, que possa reunir vários compositores.

Obrigada pelas respostas.

entrevista realizada em Janeiro de de 2023, por Diana Ferreira