Apesar de muito jovem, João Carlos Pinto (Braga, 1998) é um compositor que tem obtido encomendas de diversas instituições, apresentando-se também em palco em diferentes circunstâncias. Em 2020, a estreia de algumas das suas obras foi adiada, consequência de uma pandemia que transformou os calendários de todos os organismos responsáveis pela programação musical. Já em 2021, entre as várias obras que o compositor estreou, a Arte no Tempo traz a público duas criações suas, ficando outra em suspenso. É sobre a sua mais recente criação que a AnT conversa com o compositor no mês em que a sua “Music for percussion” será trazida a público.
© Ermo do Caos – Pedro Melo Alves, Inês Garrido
[AnT] A tua primeira encomenda para a Arte no Tempo foi uma peça para violoncelo e electrónica, no âmbito do projecto “Nova Música para Novos Músicos”; mas, logo a seguir, e antes que esta estreasse, foi-te pedido que escrevesses um quarteto de cordas para o ars ad hoc (encomenda da Fundação Centro Cultural de Belém para os Dias da Música). No entanto, a Arte no Tempo está longe de ser o único organismo atento ao teu trabalho. Esperavas esta aceitação e interesse por parte das instituições quando começaste a estudar composição?
[JCP] Não esperava nada, sendo honesto. O estudo da composição foi um caminho muito fluído e natural, sem grande ponderação. Quando comecei a estudar composição era bem novinho (15 anos) e creio que o meu pensamento não se estendia até essa questão. Eu apenas queria fazer música e explorar todas as extensões disso.
O teu septeto “Music for percussion” deveria ter sido estreado há um ano. Entretanto, terás escrito outras obras e assistido a outras estreias. Ainda te revês numa obra composta há mais de um ano, ou o teu percurso tem corrido à velocidade da luz?
2020 e 2021 foram anos insólitos. A pandemia veio agitar tudo; mas, no entanto, tem criado oportunidades muito especiais de auto-reflexão.
Dito isto, rever-me no meu trabalho neste momento, seja ele qual for, parece-me distante. Não tanto pela distância percorrida por ter tido outras obras ou estreias, mas sim pelo caminho que a minha cabeça tem feito independentemente (seja isso influenciado por outros trabalhos, estudo de outras áreas ou eventos da vida pessoal).
No entanto, separo bem as coisas, acho. Ou seja, creio que encontrarei sempre reflexões importantíssimas nesta estreia, até porque não considero o acto de composição como acabado com a barra dupla, mas sim com o concerto de estreia.
Qual é o pensamento por detrás de “Music for percussion”?
Nesta obra tentei contrariar o que é tendência em mim, ou seja, esta obra não possui nada de programático ou conceptual. É, como o título sugere, apenas “Música para percussão”. A única coisa tida em consideração, do início ao fim, foi o gesto musical. Aliás, se eu tivesse que definir esta peça de algum modo, diria que é música bastante gestual.
Uma das primeiras decisões que tomei ao escrever esta obra foi a de que quereria distribuir os 7 músicos pelo espaço e, assim, criei uns gráficos em várias folhas A3 (representativos da posição física dos músicos na sala) e comecei a desenhar formas e movimentos com várias canetas de cor. Foi um processo bastante intuitivo.
Depois da ante-estreia, em Serralves, em Julho, outro septeto teu, escrito em 2020 para a Arte no Tempo, teve estreia absoluta em Oslo, já em Setembro. Há alguma relação entre as duas obras?
A única ligação que encontro é a de que em ambas as obras me desafiei a fazer algo com que não me sinto confortável. Em “Music for Percussion” foi o carácter de “música pela música”, enquanto que no outro septeto, intitulado “Studies for Figures and Forms”, tentei explorar a ideia de “loops” e repetições, que é algo por que, à partida, não me sinto muito atraído.
Entretanto, também o teu Concerto para saxofone e orquestra (encomenda da Câmara Municipal de Aveiro por proposta da Arte no Tempo) deveria ter sido estreado em Maio passado, mas o vírus atingiu o solista e ainda não foi possível consumar essa estreia. Que aprendizagem se retira de um trabalho realizado (incluindo ensaios com orquestra e solista) e não apresentado em público?
Esta é uma excelente pergunta, pois não sei responder-lhe bem. Acho que o que há a retirar é o quanto se desvirtua o nosso trabalho sem a partilha com o público. Foi emocionalmente muito doloroso, para todos, ter-nos sido tirado o tapete daquela forma à última hora, depois de tanto trabalho e esforço conjunto. Por muito ricos que sejam os ensaios e as relações Compositor – Solista – Maestro – Orquestra, o Público é o 5º elemento que cola isto tudo com propósito.
Um mês depois dessa estreia adiada, a Jovem Orquestra Portuguesa estreou a tua obra “Toys are us”, que recentemente foi forçada a mudar de nome. A obra obteve reacções muito fortes e contraditórias por parte do público, o que significa que ninguém lhe fica indiferente. Será esse um objectivo em mente durante a composição?
Indiferença é a pior ofensa que pode haver ao meu trabalho. Se dentro dessas reacções o que procuro por natureza é retaliação e hostilidade? Obviamente que não. Importa realçar que houve dois espectros de opinião diametralmente opostos, e um desses espectros compreendeu uma série de pessoas que se reviram na obra e aplaudiram efusivamente.
Não procuro que as minhas obras sejam monólogos, blocos de som que duram X minutos e no fim as pessoas esbarram uma palma da mão contra a outra e assim que começar a próxima peça já se esqueceram da minha.
Procuro ecos, respostas, discussões, re-estruturações da mente.
A tua música parece conter sempre algo de provocatório, mas nada nela é fruto do acaso. De modo geral, que reacções tens tido por parte dos intérpretes, durante os ensaios?
Novamente, não penso na minha música enquanto provocatória. Interessa-me o desafio dos cânones e das convenções e sim, há quem veja isso como provocatório. De uma forma geral, os intérpretes costumam retirar coisas extremamente positivas e costumam ser relações muito bonitas e algumas delas para a vida, até; mas, isto acontece porque quem pega na minha música, a maior parte das vezes, já sabe o que esperar.
Ainda assim, até os mais preparados costumam passar por várias fases: 1. Fase da confusão ou maionaise de pionais; 2. Fase do click ou lâmpada de génio; 3. Fase do entusiasmo e fruição da música e trabalho que ela envolve.
E como tem reagido o público?
A excepção foi mesmo a obra com a Jovem Orquestra Portuguesa; porque, de uma forma geral, a recepção por parte do público tem sido sempre calorosa e em forma de crescendo ao longo dos anos.
As encomendas constantes e os projectos que tu próprio te tens proposto realizar têm-te mantido muito ocupado. Como é que aprendeste a gerir o tempo de forma a dar resposta a tudo? Ou será que tens que recusar algumas propostas?
A gestão é algo que acontece muito naturalmente. Obviamente que me organizo, mas vem de um sítio de intuição e balanço entre o quanto consigo fazer versus o que quero fazer. Considero-me sortudo e privilegiado por fazer apenas coisas que me dão prazer e isso envolve recusar algumas propostas, sim.
Mais recentemente, uma questão de saúde impediu-te de mergulhar num novo projecto académico em Hamburgo. Haverá um novo caminho após esta paragem forçada, ou conseguiste manter-te ligado à corrente durante a convalescença?
Perdi-me um bocado no caminho, admito. E ainda está tudo um bocado pantanoso e nublado. O corpo e o que ele pede (e a minha médica!) ainda ditam muito; mas, assim que conseguir retomar as rédeas, o plano será regressar a Hamburgo e cumprir o plano inicial, que é a realização de um Mestrado em Composição Multimedia, com o Alexander Schubert. É uma oportunidade que não quero de todo desperdiçar e sei que é algo que vai alimentar muitos demoniozinhos aqui escondidos, dentro de mim, há muito tempo.
Que projectos tens em mãos e o que poderá o público esperar de ti em 2022?
2022 será entregue a um novo mundo – Hamburgo – e à descoberta de tudo aquilo que surgirá nele. No entanto, existem planos para várias coisas em Portugal: 1. Projecto novo do João Miguel Braga Simões, percussionista dos Drumming (com Igor C Silva, João Grilo e Pedro Melo Alves); 2. Projecto novo do Pedro Melo Alves (com José Diogo Martins e João Grilo); 3. Gostava muito de ter mais concertos e finalmente lançar um disco com xD (duo com Pedro Branco) mas é difícil arranjar financiamentos; 4. Mas o maior projecto, até agora, é um solo da minha autoria intitulado “AD HOMINEM” – um espetáculo motivacional multimédia que liga som, vídeo e luzes a um performer (eu) que controla tudo com sensores biométricos e de movimento. Tenho o prazer de estar a trabalhar com o Rodrigo Constanzo na parte da programação digital desta mega interface performativa. A estreia será em Lisboa no O’culto da Ajuda e, logo a seguir, vai ao gnration em Braga; no entanto, ainda sem datas fixas, devido à minha condição instável de saúde.
Obrigada pelas tuas respostas.