Doutorada em Ciência e Tecnologia das Artes e diplomada em Engenharia Química, Guitarra, Musicologia / Informática Musical e Composição, o trabalho de Rita Torres (Lisboa, 1977) divide-se entre a investigação que desenvolve no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM) da Faculdade de Ciências Sociais de Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH) e a composição.
A propósito da apresentação de The fireflies, twinkling among leaves, make the stars wonder [2015, rev. 2018] (por Rita Miragaia, nos Festivais de Outono) e do septeto MSTRG-TRLD [2020], que será estreado no Festival Itinerante de Percussão (sob a direcção de Marco Fernandes, na Casa da Música), Rita Torres conversou com a Arte no Tempo.
[AnT] A escrita para guitarra surgiu muito associada à tua investigação de Doutoramento e, provavelmente, também ao facto de ter sido o teu instrumento de formação, mas a composição é algo que te interessa desde há muito. Como te apresentas profissionalmente? Como te situas tendo em conta os habituais “compartimentos” profissionais na música (interpretação, composição, investigação, ensino)?
[RT] Apresento-me como investigadora e compositora mas situo-me cada vez mais na investigação.
Executar na guitarra algo chamado de “multifónicos” pode parecer um pouco bizarro. Para leigos, como explicas esta técnica e por que razão usas este termo?
O termo multifónicos provém do adjectivo multiphonic, inventado pelo compositor Reginald Smith Brindle em 1967 para a tradução em inglês de suoni multiplici (sons múltiplos) num livro sobre sons não convencionais nas madeiras (i.e., flauta, oboé, clarinete e fagote). Eu uso o termo apenas para caracterizar a técnica ou os sons, ou seja, técnica de multifónicos ou sons de multifónicos. Na guitarra, a técnica consiste em tocar ao de leve na corda (tecnicamente em português, aflorar a corda) enquanto a pomos em movimento ou depois de o fazer (ou ambos). Isto dá geralmente origem a sons com timbres bastante diferentes daqueles a que estamos habituados e nos quais é possível percepcionar várias notas (daí sons múltiplos). A técnica tem sido pouco usada. Até agora, apenas tive conhecimento de 45 peças para/com guitarra que fazem uso dela (a primeira é de 1832).
De certo modo, a música para guitarra que tens composto implica uma escuta mais “especial” do que grande parte da música dos nossos dias. Que reacções tens obtido às obras, quando interpretadas em público?
As poucas reacções que tive foram positivas. A mais curiosa é talvez relativa à primeira peça que escrevi para guitarra, Cyrano-Szenen, de 2004. Logo no início do processo criativo, dei por mim a tocar sons de multifónicos e a maravilhar-me com eles. Usei-os na peça, ainda que muito espartanamente. Na sua estreia, a qual foi realizada por mim mesma, esteve presente um experiente compositor português que se encontrava por esses dias na cidade. No final do concerto, aquele veio ter comigo e disse: “hás de me explicar como tocas multifónicos na guitarra”…
Que reacções têm tido os próprios intérpretes?
Não se queixam… Mas estranham uma nova forma de executar a técnica de multifónicos que desenvolvi para Si amanece, nos vamos (2015). Aquela requer um controlo muito fino dos movimentos de ambas as mãos.
Tens escrito também para instrumentos diversos como, por exemplo, o septeto de percussão que será estreado no próximo mês, na Casa da Música, no Festival Itinerante de Percussão. De que modo se manifesta o teu trabalho de investigação na composição para instrumentos diferentes da guitarra?
Até agora não se manifestou. Mas se acrescentarmos “e vice-versa” à pergunta, a ideia para um projecto de investigação que espero vir a desenvolver em breve surgiu de uma peça electroacústica intitulada Mostrengo-Interlude. Esta é também uma das peças que deu origem ao septeto. Daí o título MSTRG-TRLD – trata-se das letras em Mostrengo-Interlude que são ditas com fonemas consonantais.
A criação musical ocupa um lugar central nas tuas preocupações ou vai surgindo apenas como resposta a encomendas?
Vai surgindo apenas como resposta a encomendas ou no contexto de uma investigação.
A tua formação é diversificada, somando diplomas em Engenharia Química, Guitarra, Musicologia/Informática Musical e Composição. A investigação foi o meio mais adequado para tirar partido das várias áreas anteriormente exploradas?
Sim e porque é o que penso ser mais capaz de fazer.
De que projectos te ocuparás nos tempos mais próximos?
Continuarei uma investigação sobre os meus processos criativos (o primeiro artigo será publicado em 2022 nas actas de The 21st Century Guitar Conference cuja edição de 2021 co-organizei), bem como a aprofundar a proposta do tal projecto que espero vir a desenvolver em breve e que se centra na apresentação artística de poesia gravada. Espero também conseguir atingir alguns dos objectivos que ainda tenho para o projecto da técnica de multifónicos na guitarra.
Obrigada pelas tuas respostas.