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Ricardo Guerreiro sobre ‘Bustrofédon’

Ricardo Guerreiro (1975) é doutorado em Ciência e Tecnologia das Artes – Informática Musical / Computer Music (Universidade Católica do Porto, 2015), licenciado em Composição (Escola Superior de Música de Lisboa, 2000), Música Electrónica (Conservatorio di Musica Benedetto Marcello di Venezia, 2004) e em Ciências Musicais (Universidade Nova de Lisboa, 2007). Frequentou os seminários semestrais de Estética (2001) e de Iconologia (2004) com Giorgio Agamben, nas Universidades de Verona e Veneza, e cursos e seminários de composição em Lisboa, Porto, Aveiro, Paris (IRCAM – ’99), Darmstadt (’98 e 2000) e Veneza. Actualmente, é Professor na Escola Superior de Teatro e Cinema. Bustrofédon é um dos seus mais recentes projectos e chega a público no final do mês.


[AnT] Este projecto encontra-se em gestação, pelo menos, desde 2021, e a obtenção do apoio do programa Caixa Cultura foi determinante para avançar com a sua concepção. Qual foi o ponto de partida para a criação de ‘Bustrofédon’?
[RG] O elemento seminal para a concepção deste projecto foi a edição do livro Bustrofédon, de Alberto Velho Nogueira, em 2019. O Alberto perseguia activamente hipóteses performativas para a sua escrita, que contemplavam a presença de músicos. Eu procurei encontrar as condições de produção que a sua démarche e este seu desejo merecem.

Sendo este o primeiro projecto com cena, quais foram os principais desafios que a sua criação te colocou?
De certo modo, tenho trabalhado sempre bastante com aspectos de encenação, nomeadamente na composição de situações performativas ligadas à improvisação. Neste projecto, essas dimensões estão mais estruturadas e recebem uma evolução linear. Senti ser necessário fazer uma leitura especialmente atenta das presenças de cada um dos intervenientes, incluindo os instrumentos musicais a eles associados, que me permitisse sublinhar singularidades. Há também um jogo de sombras estabelecido como dobra dessa primeira intenção.

A música em Bustrofédon parece mover-se em torno de alguma indeterminação, permeada por uma certa aleatoriedade das sequências musicais seleccionadas. Não deixa de existir, contudo, um conjunto de sequências motívicas pré-estabelecidas, escalas previamente pensadas para o discurso musical. Se não existisse este texto de Alberto Velho Nogueira, que outro texto poderia estar na base de um projecto teu desta natureza?
Qualquer texto ou elemento expressivo de outro género que mobilize o meu desejo de aventura. A relação do Alberto com a música de improvisação é muito densa, profunda. É crucial para nós estabelecer modos de gerar diferença em cada apresentação do Bustrofédon. Os processos de aleatoriedade e de indeterminação caracterizam alguma da música que abre a via para a actual exploração da generatividade. A minha postura crítica relativamente à escrita musical tem permitido consagrá-la como o elemento operativo decisivo para continuamente repensar os meus propósitos artísticos.

Com o autor do texto como narrador, uma cantora e quatro músicos, vídeo e desenho de luz e uma bailarina como encenadora, não se optando por considerar este espectáculo uma ópera, que designação deveremos adoptar e o que devemos dele esperar?
Tenho-me sempre referido a este espectáculo como uma ‘acção cénica’, que surge como reflexo das ideias de um Teatro Negativo, veiculadas pelo próprio Alberto.

Tendo a equipa de criação sido escolhida muito cedo, qual foi o contributo de cada um dos intervenientes e que importância teve contar com estas pessoas em particular?
É muito interessante poder negociar a definição deste projecto com um grupo tão heterogéneo de protagonistas, com grandes diferenças de percurso, de idade e de aproximação à vida. Creio que isso será sentido como algo de muito positivo e forte.

Qual a importância da tecnologia na criação e na apresentação do espectáculo?
Decisiva mas ao mesmo tempo secundária.

Trata-se de um espectáculo replicável por outras equipas, à semelhança do que acontece com as partituras de ópera sempre sujeitas a novas encenações e interpretações?
Sim! (este ponto de exclamação exprime o momento mais exaltante desta entrevista)

Como é que este projecto se situa no contexto da tua produção musical? É mais o culminar de algo idealizado nos últimos anos, ou antes o princípio de algo novo?
No contexto da minha produção musical, este projecto é o culminar de algo idealizado nos últimos anos e ao mesmo tempo o princípio de algo novo.

Obrigada pelas tuas respostas.

entrevista realizada em Maio de de 2024, por Diana Ferreira e Tomás Quintais