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Rúben Borges sobre INLand – Parte 2

Damos continuidade à conversa com Rúben Borges (1994), a propósito da estreia de INLand, no Teatro Aveirense, pelo grupo Soundinitiative.

No prefácio falas-nos de uma ‘experiência de composição pluralista’. O que é que isto significa para ti?
Neste momento, estou a montar dois colectivos cá, muito nesta direcção dos corpos estarem em palco – têm uma voz, têm um espaço que respiram. Como acontece na peça [INLand], o vídeo torna-se personagem, torna-se músico e os músicos tornam-se performers, dançarinos, também. Há esta plasticidade da matéria. É isto que tenho trabalhado mais ao longo dos últimos tempos. ‘Como é que podemos pegar num texto, debruçar-nos sobre ele em conjunto e, se o texto o pedir, vamos fazer, dançar, o que quer que isso seja’. Creio que também parte muito do que tenho feito do meu processo nestes dois anos. Tenho tido muitos workshops com dança que me obrigaram a quebrar várias barreiras. Eu escrevo mas, noutro momento, estarei a dançar… Neste momento também estou a tocar, outra vez – completamente diferente do que fazia há seis anos, mas estou a tocar de novo. E tenho notado que a fronteira do que é um compositor e o que é um performer, hoje em dia, é muito vaga. No Soundinitiative também vi isso, porque o pianista escreve, a Winnie também cria música… Actualmente está tudo a tornar-se mais plástico, mesmo a relação com a música pop; tudo existe, tudo respira e tudo se transforma. É nesta direcção em que tudo se modula que pensamos ‘o que é que isto significa para mim e o que é que isto pode trazer-me’. Foi isso que me levou a mudar, ao longo do tempo. Mas sempre tive um fascínio pelo teatro musical, pela noção de um corpo em palco, do movimento, do espaço. Sempre me questionei porque é que o violinista está a tocar naquela posição, porque é que não vai para outro ponto. No palco, basta um pequeno movimento para ser algo enorme para o público – como é que nós podemos trabalhar com isso? Em Portugal, Constança Capdeville começou com esse movimento. Actualmente, a Jennifer Walshe levou isso a outro nível e já há muita gente a trabalhar nesta nova direcção.

colectivo BANQUETE (com Júlio Cerdeira e Joana Martins)

De onde veio o teu fascínio pelo teatro musical?
Acho que vem da minha licenciatura, quando comecei o meu primeiro colectivo, em Portugal, com dança e teatro. Tive o meu primeiro workshop com a ‘Música Pobre’, com o John Romão e a Vera Mantero, e lembro-me deste momento, de começar a trabalhar, de chegar a uma sala com um mote, queríamos fazer uma peça a partir do trabalho da Gubaidulina, ‘e vamos começar com isto’ – tínhamos instrumentos, íamos tocar, mas não sabíamos o que íamos fazer. Nesse momento, foi-me apresentado o movimento surrealista, como é que eles trabalhavam, como geravam o texto. De certa forma, creio que começou tudo aí. Mais tarde, conheci o Júlio Cerdeira e começámos a trabalhar. Durante o mestrado dele na ESMAE, passávamos as manhãs de sábado numa sala a discutir espaço, som, imagem, cor… E acho que é algo que sempre cresceu comigo, mas precisou de espaço para me sentir confortável para o trabalhar.

Disseste que estás a formar dois colectivos em Antuérpia. Que colectivos são esses e porquê dois e não um só?
Os dois têm um mote completamente diferente. O Cusk, cuja produção será agora sobre a poluição marítima de som no Mar do Norte, é um grupo com a ideia formada de ‘como é que nós podemos criar música, performance, a partir de material científico?’. O nosso foco é esse. O EXSTO é mais focado na questão ‘literatura-música’, partindo da nossa experiência. São dois caminhos completamente diferentes.

colectivo EXSTO
(com a soprano Maris Pajuste e a mezzo-soprano Maria Eichler)
colectivo CUSK
(com a soprano Kristien Doumen, a harpista
Jenna Vergeynst e o percussionista Alex Smith)

Então, trabalhar o tema da poluição já não é inédito para ti: é algo que tens vindo a trabalhar.
É um tema que estou a trabalhar já há dois anos. Numa das residências artísticas, começámos conversar sobre poluição na cidade. Este ano comprei uns auscultadores muito bons com cancelamento de ruído e, para mim, foi chocante perceber que continuava a ouvir som… A conversa que tínhamos tido naquele dia “acendeu-se” – ‘algo está a acontecer’. Falamos muito da questão ecológica, de espaços verdes… E um dos livros que foi essencial para esta peça foi um em que o Carlos Alberto Augusto fala da questão dos sinos em Portugal, da substituição dos sinos tradicionais por sinos electrónicos. Cresci no campo a ouvir o sino normal. De repente, ouve-se um sino tocar que não é real, é algo fictício, que não está lá. No entanto, chego à igreja e olho para a parte de cima. Esses foram mesmo os pontos da peça: esse livro e o trabalho da questão ecológica, do Krause, cujo documentário fui rever. Foi nessa conversa, na residência, que partimos do mar para a cidade. Nós estávamos a discutir o que é que está a acontecer cá, os níveis estão a aumentar: e porquê? Porque é que nós não temos uma ecologia acústica na cidade? O que é que nos está a faltar, porque é que nós não tomamos consciência disto? E porque é que não há mais medidas nessa direcção?

Tendo em conta o trabalho que estiveste a fazer com os músicos do Soundinitiative e o que daí resultou (a peça), de que modo poderás chamar o público para vir ouvir a estreia, no Teatro Aveirense?
Creio que este concerto vai ser muito interessante e algo diferente do que estou acostumado a ver no país. Só por isso já vai ser muito interessante. Relativamente à peça INLand, saliento a particularidade do espaço estar activo, da questão da imagem, de ouvir o texto que nós ouvimos toda a nossa vida do Álvaro de Campos tomar outra voz em palco …e também de esperar o inesperado. Também há um lado cómico na peça.

Obrigada!

entrevista realizada em Fevereiro de de 2023, por Matilde Andrade e Diana Ferreira