Menu Fechar

Inés Badalo: a alquimia do som

Inés Badalo (Olivença, 1989) é uma compositora luso-espanhola, formada em guitarra e em composição, pela Escola Superior de Música de Lisboa. Aos 35 anos, com um catálogo de obras que conta já com 50 títulos entre música para instrumento solo, música de câmara, orquestral e vocal, Inés Badalo distingue-se pela delicadeza e pela forma hábil como trabalha o timbre, empregando uma infinidade de sons produzidos através das mais simples e eficazes técnicas expandidas.
Em 2020, respondeu a uma encomenda da Arte no Tempo com uma obra que o Magnet duo estreou nos Festivais de Outono desse mesmo ano, seguindo-se algumas outras colaborações e a perspectiva de novos projectos a realizar no futuro.
A pretexto da sua presença nos 5os Reencontros de Música Contemporânea e da apresentação de Electrum [2020], que o trio Taleae nos dá a escutar logo no concerto de abertura, mas também de Dé-coll/age [2019], por Luís Salomé, da estreia nacional de Rust [2024], pelo hand werk, e da estreia da versão reduzida do seu concerto Zafre [2024], com João Casimiro Almeida ao piano e a Orquestra das Beiras sob a direcção de Carlos Lopes, a Arte no Tempo quis dar a conhecer um pouco melhor a compositora por detrás destas partituras.


[AnT] Antes do ensino superior, frequentaste a escola (ensino básico e secundário) em Espanha ou em Portugal? Havendo mais compositores em Espanha do que cá, o que te levou a optar por estudar composição em Portugal?
[IB] Fiz o ensino básico e secundário em Espanha. No momento de iniciar o ensino superior, tinha várias opções em mente, incluindo a Escola Superior de Música de Lisboa (ESML), a que decidi candidatar-me. Aprendi muito durante esse tempo. Tive muitos bons professores, conheci muita música que nunca tinha ouvido antes e tive diversas oportunidades de ter as minhas peças tocadas dentro e fora da Escola. 

Quando começaste a escrever música e o que te levou a isso?
Desde que comecei a estudar música, sempre gostei não só das matérias mais práticas, como do instrumento, mas também das teóricas, como a formação musical. Quando comecei a ter aulas relacionadas com a harmonia, análise ou técnicas de composição, tudo começou a fazer sentido, pois consegui compreender as peças que tocava na guitarra ou no piano, de um ponto de vista analítico, compreendendo porque é que um acorde é seguido de outro, como é que um discurso sonoro é construído a nível formal para que seja coerente, etc. Foi nessa altura que comecei a escrever música, fazendo inicialmente exercícios estilísticos e depois procurando gradualmente o meu caminho, a minha linguagem.

Fizeste os cursos superiores de guitarra e de composição. O que te levou a escolher ser compositora e professora de guitarra e não, por exemplo, o contrário (ser guitarrista e professora de composição)?
Não foi tanto uma escolha, mas sim como as circunstâncias ocorreram na altura. Quando terminei os meus estudos, comecei a trabalhar no Conservatório de Portalegre (também tive que me deslocar aos pólos de Sousel e Ponte de Sôr), leccionando principalmente Análise e Técnicas de Composição, com algumas horas de guitarra. Gostava do trabalho mas, desde onde morava, tinha que fazer muitos quilómetros todos os dias, o que significava que tinha menos tempo para compor. No ano seguinte, surgiu uma vaga de professor de guitarra em Elvas e decidi mudar, porque era muito mais perto de casa e podia continuar a compor durante as horas que precisasse. Anos mais tarde, também nesta instituição, comecei a leccionar Análise e Técnicas de Composição, até Outubro do ano passado, quando saiu uma vaga de professor superior de composição, no Conservatório Juan Vázquez, em Badajoz, onde trabalho desde então.

Como é que consegues articular as obrigações do ensino, a resposta a encomendas e os estudos de doutoramento? Sobra vida para além do trabalho?
É mesmo preciso trabalhar muito para poder fazer tudo. Por vezes, é preciso procurar mais horas de onde seja possível para cumprir prazos e, portanto, dormir menos, mas quando estou a trabalhar na estreia de uma obra com bons músicos, tudo faz sentido e, definitivamente, vale a pena o esforço.

📷 José Pascual Pastor

Quando começaste a escrever música, imaginavas que chegarias aos 35 anos com um catálogo de 50 obras (entre solos, música de câmara, orquestral e vocal)?
Na verdade, tudo tem sido um processo muito natural. Nunca parei para pensar onde iria dar ou onde estaria no futuro. Simplesmente, faço o que gosto e trabalho arduamente nisso.

Em termos gerais, o que é que te faz aceitar ou recusar uma encomenda? 
A primeira coisa que vejo é que músicos que irão estrear a peça encomendada. Trabalhar com bons músicos é sempre uma experiência da qual também aprendo muito, para além de uma enorme motivação. Por outro lado, se o valor cobrado pela encomenda é razoável em relação às horas de trabalho necessárias. Tive também de recusar encomendas noutras ocasiões, não por causa do acima exposto, mas simplesmente por falta de tempo. Às vezes, não me é possível assumir mais compromissos por causa das encomendas que já tenho em mãos, propostas também interessantes. Por vezes, é doloroso ter que recusar, mas gosto de dedicar a cada obra o tempo que ela precisa.

Quando aceitas uma encomenda para criar uma nova obra, qual é o primeiro passo para a criação?
Começo por dedicar algum tempo a reflectir sobre o que quero e como o quero. Recebo estímulos da literatura, da pintura e até olho para o campo científico. Por exemplo, documentar-me sobre processos químicos pode inspirar-me para escrever uma nova obra. Tudo isto de alguma forma me estimula e sugere novas ideias, que mais tarde começo a delinear.

Quais são os aspectos que mais te ocupam quando estás a escrever uma obra? 
As minhas obras estão muito focadas no timbre, fascina-me explorar a ductibilidade e maleabilidade do som.

Da escuta das tuas obras, o que sobressai sempre é precisamente uma grande sensibilidade para o trabalho tímbrico. Ritmo e alturas parecem sempre subordinados ao gesto e ao timbre. Como imaginas a tua música sem técnicas expandidas? 
Não consigo imaginá-la, pois as técnicas estendidas são parte intrínseca da minha linguagem.

Como trabalhas a harmonia na tua música? Há um trabalho de pré-composição que preveja o estabelecimento de algumas “regras”, a cada obra?
Sim, gosto de definir determinadas escalas, motivos e acordes antes de compor uma obra. O uso de intervalos centralizadores também está muito presente na minha música.

Quais são as suas grandes referências na composição?
Existem muitas referências ao longo da história da música. Não consigo resumir em apenas algumas. É óbvio que me interesso pela música do passado, como a de Bach, Beethoven, Mozart e Mahler, entre outros. Sobre a música actual, López López, Rebecca Saunders, Beat Furrer, Liza Lim, etc.

📷 OCNE

Compostas num período de cerca de 6 anos, o que há de comum nas quatro obras que são agora apresentadas nos Reencontros de Música Contemporânea? Aparentemente, Rust [2024] e Zafre [2024/25] estão distantes do universo de Dé-coll/age [2019], muito mais do que do de Electrum [2020] (e não estamos a pensar em termos cronológicos). Concordas? 
De-coll/age é bastante diferente das restantes porque envolveu o desafio adicional de incluir uma “coreografia” na própria obra, o que condicionou alguns aspectos da composição. A obra está directamente relacionada com o movimento Fluxus, devido ao local onde foi estreada (Museu Vostell Malpartida), o que não acontece nas outras obras. Tem esta característica singular.
Rust e Zafre são as mais recentes, e ambas se baseiam em conceitos associados a processos químicos, como a oxidação ou a criação de um pigmento azul utilizado para tingir objectos de cerâmica. São peças que se relacionam com o conceito de alquimia, no sentido da exploração tímbrica que apresentam, trabalhando com processos baseados na síntese aditiva mas aplicados a instrumentos acústicos, de hibridação tímbrica.

Nas tuas obras, nunca usas recursos electrónicos. Há alguma razão especial para rejeitares a electrónica, mesmo sabendo que ela poderá ajudar a multiplicar as nuances tímbricas? 
Gosto de ouvir música com electrónica e tenho formação nesta área, no entanto é verdade que não a utilizo nos meus trabalhos, não sei se o farei no futuro ou não. A razão é que passo muitas horas em frente do computador, a editar as peças, a fazer trâmites, e não me apetece passar ainda mais horas em frente do monitor. Gosto mais de compor com papel e lápis, longe de tudo o demais. Também gosto de trabalhar pensando unicamente em instrumentos acústicos e explorar todas as suas possibilidades tímbricas, que são muitas.

Quando escreves uma obra, tens os músicos por perto ou nunca os consultas durante o processo da composição?
Sim, faço consultas. Gosto de trabalhar e experimentar conjuntamente com os músicos, acho que é uma colaboração importante e necessária para um compositor.

📷 José Pascual Pastor

Que projectos de composição tens para o futuro mais próximo?
Neste momento, estou a trabalhar numa peça para soprano e ensemble, que terá uma duração de aproximadamente uma hora, com textos da poetisa e filósofa Chantal Maillard. Este projecto foi criado graças a uma Bolsa Leonardo da Fundação BBVA, e a estreia, prevista para 2026, será interpretada pela soprano Johanna Vargas e pelo Grupo Enigma, sob a direcção de Asier Puga. Estou também a trabalhar numa obra para orquestra sinfónica, sobre a qual ainda não posso fornecer mais detalhes. A próxima temporada inclui ainda projectos em França, Espanha, Portugal e Suíça.

Que outro(s) projecto(s) gostarias muito de desenvolver, para os quais aguardas que se reúnam as condições? 
Gostaria de escrever uma ópera, embora não seja fácil obter o financiamento e todos os recursos necessários para tal. Também um concerto para guitarra e orquestra, uma vez que a guitarra é o instrumento que estudei.