Quinta-feira, 20 de Maio | 18h00
Museu de Aveiro / Santa Joana
apresentação pelos autores das instalações (em exibição até 30 de Maio)
[i1] A lentidão dos afectos ou Da morfologia do tempo musical*
instalação de Gilberto Bernardes
“A lentidão dos afectos ou Da morfologia do tempo musical” é uma exploração contemplativa e intertextual entre períodos históricos da música e pintura ocidentais, questionando os fundamentos estruturais da matéria e da forma na procura dos seus arquétipos.
A uma máquina de gerar madrigais infinitos de Gesualdo empresta-se uma tradução ou transcrição poética das suas qualidades espectromorfológicas, que vão sendo substituídas por uma extensa base de sons electronicamente sintetizados. O espelho visual empresta-se à colagem livre sobre o retrato que nos encara e que vai sendo tatuado com a história passada e futura.
De carácter vincadamente contemplativo, “A lentidão dos afectos” convoca a minha sensibilidade (contemporânea) para a inquietação que advém da incapacidade de cultivar a paciência ou a apatia do cinético frenesim dos dias.
Os desafios sociais da actual pandemia e os seus constrangimentos ao toque instigaram-me a assumir a presença enquanto modalidade de interacção, convocando aqui uma circularidade na busca pelas raízes da construção dos motivos electrónicos por Gesualdo e da trama visual. A espera é reveladora.
Gilberto Bernardes, 2020
[i2] Palavras discretas*
instalação de João Pais
instalação para texto digitalizado em 4 canais
voz de Diana Combo
Hoje em dia vivemos cada vez mais integrados no mundo digital, muitas vezes já sem nos apercebermos quanto. Entretanto, este ambiente é usado ainda principalmente não como um fim em si, mas como uma ferramenta para copiar, transportar, reproduzir, imitar elementos analógicos, desde que sejam suficientemente compreensíveis pelos humanos a quem se destinam.
Esta instalação tenta ligar estes dois ambientes de forma concreta: vários tipos de textos falados são cruzados com vários tipos de processos de transformação simples e graduais, existentes apenas em meios digitais. Enquanto que para o ouvinte o sentido do texto se vai desvanecendo gradualmente, para a máquina que o produz trata-se apenas de uma permutação simples com o mesmo grau de sentido tanto no início como no fim do processo.
Durante o processo de transformação, o ouvinte pode adoptar duas atitudes – ou será forçado pelo seu instinto a misturá-las, tentando criar um sentido a partir dos fragmentos de discurso que lhe forem familiares, ou fará um ‘reset’ das suas expectativas e ouvirá o processo como um fim em si. No “caos” gerado, a periodicidade de cada cena mantém-se e, apesar da incompreensibilidade, há uma memória estrutural que continua presente. Esta situação será apenas apreendida se a ouvinte tomar o seu tempo [empenhar?], o bem mais precioso e cada vez mais escasso.
Neste contexto, o adjectivo em “Palavras discretas” refere-se não a uma qualidade de discurso, mas ao processo de amostragem realizado ao converter um elemento analógico – contínuo – num elemento digital – discreto.
João Pais, 2020-21
* estreia absoluta; encomenda da Arte no Tempo financiada pela Direcção Geral das Artes