Apresentando-se esta semana a solo com a Orquestra XXI, o violetista Jano Lisboa respondeu a algumas questões que a Arte no Tempo lhe colocou por escrito.
[Arte no Tempo] Em que momento decidiste fazer da música uma carreira?
[Jano Lisboa] A meio do período passado na Escola Profissional de Viana do Castelo, apercebi-me que ser violetista profissional seria uma possibilidade. Depois de vários sucessos musicais, a vontade de prosseguir foi cada vez maior.
O que é que te levou a sair de Portugal?
Fui à procura daquilo a que não temos acesso em Portugal: um ambiente académico de qualidade onde podemos aprender com os nossos colegas ouvindo, discutindo e analisando novas ideias e concepções; disciplinas secundárias interessantes e úteis para o desenvolvimento das nossas ideias, fantasia e que ajude a minimizar o preconceito. Não é útil estarem a martelar o nosso cérebro vezes sem conta e da forma arcaica como em Portugal se ensina a história da música, acústica, estética e a formação musical. Em Boston, frequentei as mais diversas classes: Notação Medieval, Film Noir, Improvisação Modal Indiana, Klezmer, a classe incrível do Benjamin Zander que era uma mistura entre filosofia e interpretação, entre outras. Por fim, e talvez o mais importante, a procura do verdadeiro profissionalismo e brio na profissão previligiada que temos.
Onde é que o teu percurso profissional te levou?
Depois dos meus quatro anos na Metropolitana de Lisboa, segui para Boston, onde estudei dois anos com a Kim Kashkashian. Depois estive um ano em Madrid, na Reina Sofia, a estudar quarteto e, no ano seguinte, mudei-me por um ano para Paris, onde toquei 60 concertos com um quarteto profissional. Vivo em Munique desde Dezembro de 2008, onde fui membro da Orquestra de Câmara da mesma cidade e, recentemente, solista da Orquestra Filarmónica de Munique.
Nos locais por onde passaste, que grandes diferenças encontras no modo de trabalhar, comparando os agrupamentos portugueses com os estrangeiros?
Claro que há de tudo em todos os lados, mas é mais fácil encontrar profissionalismo e boa dinâmica e qualidade de trabalho na Alemanha ou nos EUA do que em Portugal. Em Portugal há muito drama. As pessoas lá fora são muito mais objectivas e responsáveis na dinâmica e na preparação, não se prendendo com coisas fúteis e irrelevantes à música.
Se não fosses músico, que actividade desenvolverias?
Dependeria de onde estivesse. Se estivesse nos EUA, dedicar-me-ia ao cinema. No resto do mundo, à medicina, pois é uma área que sempre me fascinou.
Que momento(s) marcantes mais viveste enquanto músico?
Os meus dois anos em Boston foram decisivos para a minha forma de tocar e de encarar o meu instrumento. Até essa altura, nunca tinha levado propriamente a sério a viola. Estudava somente algumas vezes por semana, tratava o instrumento como a minha mala de viagem… Se soubesse o que sei hoje, teria começado a estudar 4-5 horas por dia desde o primeiro dia na Escola Profissional de Viana do Castelo…
Que professor(es) teve/tiveram um papel decisivo no teu percurso de estudante?
Esta é uma pergunta um pouco ingrata pois vou ter que deixar alguns de fora. Os dois que mais me influenciaram foram o Paul Wakabayashi, na Metropolitana- que além dum bom mentor se tornou um grande amigo e influência- e a Kim Kashkashian foi a mulher da área da música que mais me fascinou, inspirou e mais me ensinou no que respeita a como abordar fisicamente a viola, solucionar problemas e como evoluir por mim mesmo.
Dos músicos com que trabalhaste, que personalidade musical te marcou mais?
Ultimamente tenho trabalhado com músicos tão especiais que é difícil fazer a escolha… Talvez o oboísta François Leleux, o maestro Semyon Bychkov, o flautista e trompista solo da minha orquestra Michael Kofler e Jorg Bruckner, respectivamente, e o violoncelista Maximillian Hornung.
O que te levou a criar um festival de música em Viana do Castelo e porque é que o evento não teve continuidade?
A ideia foi criar algo dentro do modelo de festival de música de câmara de verão dos Estados Unidos, onde temos um conjunto de artistas estabelecidos que trabalha e faz concertos com jovens músicos, estudantes vindos de todo o mundo. Nesse respeito foi um sucesso. O segundo ano do festival encheu a Igreja Matriz de Viana do Castelo nos três concertos, com um público atento e interessado. Eu queria tornar acessíveis, principalmente a jovens portugueses, músicos que normalmente não ensinam em Portugal e que têm muito que oferecer a nível de ensino e inspiração. Foi um pouco aquela tentativa de criar aquele ambiente académico multicultural que não temos em Portugal. A única razão pela qual o festival não continuou foi o facto da Câmara Municipal de Viana do Castelo ser irresponsável e muito pouco sensível a lidar com as necessidades do festival. E eu acredito no ditado “não se dá pérolas a porcos”… Todos os que participaram no festival ficaram inspirados e maravilhados com aquela experiência. Estou neste momento a magicar um futuro festival do género, mas na Escócia… Os portugueses são bem vindos!
O que achas que mais mudou em Portugal, no que respeita à música, nos últimos 20 anos?
Como já não estou cá há dez anos não posso responder a esta pergunta. Entre os anos 90 e os 2000 mudou muito. Evoluiu. Agora há mais músicos que empregos disponíveis (três orquestras profissionais em Portugal para centenas de músicos portugueses?!)…
Regressar a Portugal é algo que passa pelos teus horizontes?
Não.
Que conselho poderás dar a um jovem músico que esteja indeciso quanto a seguir uma carreira musical?
Estudar a sério e com inteligência. Levar o instrumento e a música muito a sério. Trabalhar com os professores certos. Ir para o estrangeiro à procura daquilo a que aqui não se tem acesso. Lutar sempre tendo como meta o mais alto dos objectivos.
Que projectos pessoais no âmbito da música tens para os tempos mais próximos?
Recentemente tenho-me dedicado e investido bastante na fotografia. Tenho também pendente a produção e edição de um projecto de música rock. Neste momento a prioridade é a orquestra. A partir de Março do próximo ano voltarei para continuar aquilo que está por terminar.