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‘Instantâneo’ com Manuel Durão

Durao

Breve conversa com Manuel Durão,
compositor que terá a sua peça Plataforma estreada pela Orquestra XXI

Durao[Arte no Tempo] O que é que te levou a ir estudar para fora e porque é que escolheste a escola de Lípsia?
[Manuel Durão] Eu fui para Leipzig no semestre de inverno de 2007/08 como estudante Erasmus e sem desejo especial de me ausentar por muito tempo. A escolha foi cega. Só sabia que Leipzig era a cidade de Bach, Mendelssohn, Wagner, Grieg e de outros nomes sonantes da História. O semestre de intercâmbio passou a grande velocidade e senti que precisava de mais tempo para tirar partido da oferta da escola. Encorajado pelos meus professores, entre eles o meu professor de composição Reinhard Pfundt, decidi fazer provas de acesso em Leipzig em Janeiro de 2008.

Quando decidiste estudar composição e te inscreveste na Escola Superior de Música de Lisboa (ESML), como imaginavas o teu futuro?
Eu sou optimista e quando me inscrevi na ESML não imaginava o futuro. Eu tinha a sensação de estar no futuro.

Portugal tem espaço para a composição?
Portugal tem muitas florestas e mar. Tem com certeza espaço para a composição.

Na Alemanha, que oportunidades encontra um compositor estrangeiro?
Na Alemanha um compositor estrangeiro encontra tantas ou mais oportunidades que um compositor nativo. Há que explorar as potencialidades do exotismo perdido.

Das obras que escreveste até hoje, qual foi a que te supreendeu mais no momento de estreia? Porquê?
A estreia que mais me surpreendeu foi o meu quarteto de cordas “Juli im August” (Julho em Agosto). A partitura é bastante parca em indicações mas os intérpretes, colegas franceses, alemães e espanhóis, conseguiram pressentir as intenções do texto de uma forma incrível. Concretizaram uma abstracção. O público reagiu com o mais belo aplauso de que tenho recordação.

Como descreves a tua música? Ainda andas à procura de uma linguagem ou haverá já traços na tua música que a identifiquem?
Cada peça fala uma língua diferente. Mas há um ímpeto contrapontístico que é essencial e de onde surgem as ideias.

Cada uma das tuas obras é um mundo novo ou há fortes elementos de continuidade no teu trabalho?
Cada uma das minhas peças – não gosto de lhes chamar obras – é um bairro ou uma rua, talvez uma praceta. Basta ver as paisagens urbanas do nosso mundo para constatar como contrastes e assimetrias se manifestam em pequenos espaços. Há alguns momentos que retornam às
minhas peças de forma sazonal – sobretudo momentos harmónicos.

Neste momento, continuas na Alemanha mas não frequentas nenhuma escola – escreves e ensinas. O que te mantém no país?
Eu gosto muito de Leipzig. É uma cidade que vive a uma velocidade diferente apesar do rápido desenvolvimento dos últimos anos – aquele desenvolvimento que traz consigo centros comercias e lojas iguais às de toda a parte. Leipzig era a segunda maior cidade da RDA. Com a queda do muro perdeu cerca de um terço da população. Senti a cidade a pedir-me que a habitasse. Neste momento os projectos e as oportunidades sucedem-se de forma natural. Recentemente fui seleccionado para a academia de ópera da Fundação Deutsche Bank que me oferece a possibilidade de tomar partido de um programa de dois anos na área do teatro musical.

O regresso a Portugal é uma possibilidade futura?
Eu regresso a Portugal sazonalmente e sobretudo em momentos harmónicos. Estes regressos a Portugal são imprescindíveis.

De acordo com o que o Dinis Sousa tem divulgado, a ideia da criação da Orquestra XXI surgiu numa conversa contigo no Bairro Alto. Que importância atribuis ao projecto?
No Bairro Alto surgem muitas ideias. Quase sempre acreditei nas ideias que por lá acompanhavam as bebidas. Esta foi das poucas em que não acreditei à partida e curiosamente das poucas que se realizaram. Infelizmente, devido ao carácter sazonal da minha presença em Portugal, não tive a disponibilidade necessária para me envolver no projecto mais a fundo desde o início. No meu entender, o projecto é da maior importância para a cultura portuguesa e para a minha geração de
músicos. Ter-me-ia dado grande prazer poder trabalhar na organização.

O que podes adiantar sobre a tua obra para orquestra que agora será estreada, Plataforma?
“Plataforma” é um local em parte incerta da rede, que pela sua aridez dá espaço a uma paradoxal fertilidade. Esta fertilidade manifesta-se sobre a forma de uma rapidez essencial, um remoinho patético de semblante apoteótico.

Saberes que estavas a escrevê-la para a Orquestra XXI fez alguma diferença no trabalho de composição?
Escrever para Orquestra XXI é uma missão arriscada. Eu sabia que esta peça ia abrir o primeiro concerto de uma orquestra que reúne num só palco 50 dos melhores músicos portugueses de todos os tempos. Tinha de ser um peça festiva. Sabia que o programa continuava com obras de
Lopes-Graça, Mahler e Brahms. Tinha de ser uma peça destemidamente contrastante. Não houve tempo para recuos: a peça surgiu em pouco mais de uma semana, num só gesto.

(entrevista realizada por correio electrónico a 31. Agosto. 2013)