Nascido no seio de uma antiga família aristocrática do Sul de Itália com raízes espanholas do lado da mãe, Giacinto Scelsi (La Spezia, 8. Janeiro. 1905 – Roma, 9. Agosto. 1988) sempre recusou dar a conhecer detalhes biográficos e pessoais, assim como não permitia ser fotografado. Após um treino académico em Roma, estudou com um discípulo de Schönberg, em Viena, tornando-se o primeiro italiano a escrever música dodecafónica. Não convencido com o serialismo, considera-o morto ainda antes da vaga serialista do pós-guerra. Depois de estudar com um discípulo de Scriabine em Genebra, dedica-se às filosofias do Oriente e ao Budismo Zen.
Scelsi contava já com cerca de trinta peças quando, no fim da guerra, adoeceu e permaneceu hospitalizado por vários anos. Durante o período da enfermidade encontra uma forma de terapia passando horas ao piano, tocando incansavelmente uma mesma nota e mergulhando num atento processo de percepção sonora que o faz reviver experiências da infância que haviam caído em esquecimento. Em 1952 volta a compor, mas desta vez numa linguagem inteiramente nova que marcará a centena de peças que compõe nos trinta anos seguintes.
Em oposição ao serialismo que vigorava na altura, a sua música explora o próprio núcleo do som libertando a energia nele contida. Para Scelsi, quem não mergulhasse no próprio som não chegaria a ser um verdadeiro artista, mesmo que fosse um bom artesão ou técnico. Scelsi não se assume como compositor (um combinador de sons), mas sim como um simples mensageiro entre dois mundos.
O som é o primeiro movimento da imobilidade. Aí se encontra o princípio da Criação. (Scelsi)
O som vive e move-se: oscila no espaço, tem profundidade e largura. Esta vibração interior do som esférico é audível através de clusters, trilos, trémulos, glissandos em articulações diversas, pelos contrastes de textura, mais suave ou mais rugosa, mas acima de tudo pelo vibrato, o qual, rápido e largo, dá corpo ao som que assim passa da linearidade à riqueza de espectro: assim deixam de existir as diferenças entre as diferentes alturas do som, e mesmo dos micro-intervalos.
A primeira exploração de Scelsi neste novo espaço musical teve lugar no campo da monodia instrumental e vocal. O piano, que sempre tivera um papel privilegiado na sua obra, é agora abandonado pela sua impossibilidade de produzir micro-intervalos. A partir do final da década de 50, começa a explorar a orquestra e escreve a sua famosa Quattro pezzi su una nota sola (1959), sendo que cada uma das quatro peças trabalha apenas um som elaborado em todos os seus parâmetros tonais e temporais.
A música de Scelsi é apelidada de estática; contudo, a sua dinâmica reside na matéria sonora que a compõe, da qual brota energia incessante.
(Dezembro de 2000)