A 2ª edição do Festival Itinerante de Percussão terminou há dez dias e é altura de fazer o balanço e os incontornáveis agradecimentos, antes de embarcarmos, já de seguida, noutras projectos.
Foram quatro dias muito intensos no Teatro Garcia de Resende, em Évora, com percussionistas provenientes de todos os cantos de Portugal continental, juntando professores e alunos das sete instituições de ensino superior portuguesas em que é ministrado curso de percussão. Alguns desses participantes deixaram-nos a sua impressão sobre o projecto.
Recitais de solistas com sala cheia, master classes com o número máximo de participantes e um concerto de encerramento com bastante público para assistir à estreia absoluta dos três septetos compostos para a ocasião é o balanço que fazemos da segunda edição do 2º FIP, cuja variedade de estéticas resultou, acima de tudo, das singularidades dos intérpretes convidados e das suas preferências.
Mário Teixeira, na imagem a interpretar Mani. Matta [2008] de Pierluigi Billone, apresentou, além dessa peça tão actual, os Exercícios 26 e 27 da clássica Snare-drum peace march [1973], de Christian Wolff.
No mesmo Salão Nobre em que Mário Teixeira se dedicou ao virtuosismo e à complexidade, Nuno Aroso enveredou, como é seu hábito, pela poética musical, apresentando uma obra para molas helicoidais de Ricardo Ribeiro – Recit I [2019]- e outra para prato suspenso e electrónica, de Jaime Reis.
Esse primeiro concerto partilhado de 27 de Dezembro, terminaria na Sala Principal em espírito colaborativo, com Pedro Silva acompanhado de um grupo de alunos da Metropolitana e com a colaboração de Mário Teixeira na direcção.
Na noite seguinte, André Dias e Jeffery Davis ofereceram ao público um programa de vibrafone bastante diferenciado.
Completando o instrumental com mais algumas percussões para a segunda peça, André Dias interpretou peças mistas de dois autores portugueses: Proyector I [2009-2014], de José Alberto Gomes, e Drive_! [2013], de Igor C Silva.
Bill Evans, Thelonious Monk, Manning Sherwin e Steve Swallow foram os autores que Jeffery Davis revisitou com o groove já esperado.
Além de duas estreias absolutas, Miquel Bernat trouxe consigo dois compositores espanhóis para assistir à interpretação de obras suas, num programa de obras que lhe foram dedicadas, alternando marimba e vibrafone. De Polo Vallejo (um dos compositores presentes), Bernat interpretou Marimbridanza [2019], para marimba e baquetas ‘híbridas’. As obras em estreia foram Fondre’s [2018], para vibrafone, de Miquel Oliu, e Improviso [2018], para marimba do brasileiro Arrigo Barnabé. O mais novo compositor em programa, Octavi Rumbau (na imagem com M. Bernat no final da prestação deste) assistiu à interpretação da sua meditativa En Suspensió [2019], para vibrafone, vibratones e electrónica.
Completando a terceira noite do 2º FIP, Eduardo Lopes apresentou-se atrás da sua bateria, com duas peças de assinatura portuguesa: uma do próprio, Sid also waltzes (remembering MR) [1997] e, em estreia absoluta, Essay XX (for six-piece Drum Set) [2019], de Christopher Bochmann, compositor britânico que Portugal considera seu, de quem Eduardo Lopes preparava também o septeto que seria escutado pela primeira vez no concerto de encerramento do FIP 2019.
Conforme anunciado, paralelamente aos recitais de solistas e aos ensaios de preparação dos septetos que viriam a ser estreados no concerto de encerramento, os quatro professores de percussão que não se ocuparam com esses mesmo ensaios estiveram disponíveis para trabalhar com alunos do ensino superior e do ensino secundário e profissional, provenientes de escolas de todo o país, preenchendo a totalidade das vagas para participantes.
Como seria de prever, Jeffery Davis orientou a master class de vibrafone (27 de Dezembro). Seguiu-se a master class de tímpanos com Mário Teixeira, a de marimba com André Dias e, por fim, a de caixa, com Pedro Silva.
A ideia de congregar percussionistas das sete escolas superiores portuguesas num trabalho conjunto e “sem fronteiras”, que em 2017 conduziu ao projecto do Festival Itinerante de Percussão, encontra-se materializada na preparação dos septetos de percussão que, pelo segundo ano consecutivo, foram encomendados e estreados, sob a orientação de experientes professores.
Miquel Bernat orientou a preparação e dirigiu a estreia do septeto composto por Pedro Berardinelli, compositor que organizou sessões de trabalho extraordinárias com os próprios músicos, em lugares tão inusitados como em plena Praça do Giraldo). Uma obra que terá certamente sofrido de algum desassossego na plateia motivado pela entrada tardia de público, assim como pela estranheza deste perante o baixo volume sonoro de um septeto que apela à máxima concentração, a rica e poética dentre está escrita para um quarteto e um trio, em que o quarteto envolve o público num universo sonoro composto por duas taças tibetanas e um amortecedor de carro, e o trio, disposto na frente do público, alarga e enriquece o universo metálico gerado pelo quarteto.
A Eduardo Lopes coube orientar a preparação do septeto composto por Christopher Bochmann, cuja execução se previa sem maestro, com um dos jovens percussionistas a liderar ocasionalmente o restante grupo. All the world’s a stage divide-se em sete secções, expandindo o “palco” em diferentes momentos. Começa com os intérpretes rodeando a plateia, sem sons de altura definida, avançando na segunda para o palco, com quatro percussionistas a tocar num único vibrafone; a terceira reúne todos os executantes em torno das lâminas: quatro na marimba e três no vibrafone, seguindo-se a quarta apenas com a marimba, a que entretanto são acrescentados temple blocks. Já no final da última secção, percutir é uma acção que se alarga para fora dos instrumentos convencionais.
O FIP terminou com Nuno Aroso a dirigir o septeto de Luís Carvalho, cuja orientação preparou ao longo de 3 dias, com a assistência do próprio compositor. O Concertino é uma obra enérgica composta para um variado instrumental de alturas indefinidas, que explora de forma consistente modulação métrica e compassos irracionais, em que é dado igual relevo a cada um dos sete instrumentistas.
O 2º Festival Itinerante de Percussão não seria possível sem o apoio da Direcção Geral das Artes e do Município de Évora, assim como das sete instituições do ensino superior de que provêm os professores/percussionistas e os jovens instrumentistas que deram o seu melhor na preparação dos septetos, em especial Universidade de Évora, Academia Nacional Superior de Orquestra e Universidade de Aveiro, de onde provieram todos os instrumentos utilizados no evento.
Não podemos, pois, deixar de agradecer a todos quantos participaram no 2º FIP, a todos aqueles que o tornaram possível com profissionalismo e dedicação, dos mais visíveis aos mais invisíveis, incluindo a equipa do Teatro Garcia de Resende, que nos fez sentir em casa desde o primeiro momento, assim como a mais maravilhosa dupla de produção, tão invisível que nem se encontra qualquer registo fotográfico evidente, que ao longo dos dias de montagem, execução e desmontagem do FIP, resolveu alguns imprevistos sem que ninguém mais se apercebesse dos mesmos, que antecipou problemas e soluções, que fez o seu trabalho da forma mais exemplar: quase sem que se desse pela sua reconfortante presença – Marco Duarte e Diogo Mota.
Vindo de uma primeira edição em Aveiro, o 2º Festival Itinerante de Percussão chegou a Évora com a 3ª edição já marcada para o mesmo período (27 a 30 de Dezembro), em 2020, na cidade do Porto.
[9. Janeiro. 2020]