Compositor, pianista, musicólogo e maestro, Fernando Lopes Graça (Tomar, 1906 – Parede, 1994) foi das figuras das mais emblemáticas do século XX português. Depois de estudos pianísticos no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, abraçou também a Composição, à qual viria dedicar-se como primeiro objecto. Posteriormente seguiu estudos em Paris, onde concluiu o curso de Musicologia. Criador de uma extensa obra musical, que percorre quase todos os géneros musicais, fundou e dirigiu durante mais de quarenta anos, o Coro da Academia de Amadores de Música, para o qual escreveu centenas de arranjos de canções tradicionais, grande parte das quais recuperadas em colaboração com o etnólogo Michel Giacometti. Possuidor de uma notável qualidade na prosa literária, escreveu inúmeros ensaios e críticas musica, de teatro e de bailado, publicados em periódicos como a Seara Nova, O Diabo, Manifesto, Presença, Vértice e Gazeta Musical e de todas as Artes (de que também foi fundador e redactor principal). Traduziu importantes obras literárias, como Confissões, de Jean-Jacques Rosseau e Beethoven – Os Grandes Períodos Criadores, de Roman Rolland, entre tantras outras. Jorge Peixinho, em conferência lida na homenagem que a Câmara Municipal de Matosinhos realizou, no 87.º aniversário do compositor (em 1993, poucos meses antes do seu falecimento), disse: “O que me parece inegável é que Lopes-Graça continua, sem estagnação, numa pesquisa permanente do seu universo, no alargamento prospectivo das suas margens e dos seus limites. (…) Lopes-Graça, dentro das suas coordenadas estéticas e da especificidade do seu universo criador, desenvolve e expande prospectivamente o seu mundo interior, e nele, seguramente, o pulsar do espírito do seu (e nosso) tempo.”
Viveu os últimos anos da sua vida em Parede, onde o Museu da Música Portuguesa – Casa Verdades de Faria guarda o seu espólio musical.
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Fernando Lopes-Graça estudou no Conservatório Nacional de Lisboa com Adriano Merêa e José Vianna da Motta (Piano), Tomás Borba (Composição) e Luís de Freitas Branco (Ciências Musicais). Frequentou ainda o curso de Letras das Universidades de Lisboa e Coimbra. Em 1931, começou a leccionar na Academia de Música de Coimbra, onde permaneceu até 1936. Os seus anos em Coimbra foram precedidos e encerrados com duas detenções por motivos políticos, impedimentos para a sua entrada no Conservatório de Lisboa, apesar de ter ganho por concurso uma vaga de professor neste estabelecimento de ensino. Estes anos coincidem com um primeiro período criador, em que revela influência de Schönberg e Hindemith. Estas obras juvenis, muitas delas destruídas ou revistas posteriormente, mostram também um atento estudo da prosódia portuguesa, estimulado por contactos com poetas contemporâneos que seriam cultivados durante toda a sua vida.
Em 1937, Lopes-Graça instalou-se em Paris, onde estudou Musicologia com Paul-Marie Masson e recebeu algumas aulas privadas de composição de Charles Koechlin. Na capital francesa iniciou o seu trabalho de harmonização de canções populares portuguesas. Uma grande parte da sua produção orientou-se decisivamente, em termos estilísticos, no sentido da criação de um “nacionalismo essencial”, caracterizado pelo tratamento de material popular e pela assimilação das suas características harmónicas, melódicas e rítmicas.
Lopes-Graça regressou a Lisboa em 1939, retomando a sua actividade como cronista musical, professor, organizador de concertos e regente coral. Fundou a sociedade “Sonata” (1942-60) dedicada à música do século XX, contribuiu decisivamente para o relançamento da Gazeta Musical e começou o seu trabalho de investigação sobre a música popular, que continuaria a partir da década de 60 em colaboração com Michel Giacometti. Nestes anos iniciou a composição de um amplo repertório de canções políticas conhecidas genericamente como Canções heróicas. Foi vencedor do prémio de composição do Círculo de Cultura Musical em 1940, 1942 e 1952. Durante estes anos criou uma abundante quantidade de obras vocais – para coro e para solista com acompanhamento de piano – sobre canções populares, peças orquestrais, obras para piano solo e canções sobre textos de diversos poetas portugueses.
O desenvolvimento posterior da obra de Lopes-Graça permite definir uma terceira fase que vai do Canto de amor e de morte até à Sonata para piano nº 5. Embora o compositor não abandonasse de todo o uso da canção popular, nas obras mais características destes anos verifica-se a exploração exaustiva das parâmetros rítmico e harmónico, a partir de células mínimas em estruturas muito concentradas. Esta nova fase pode ser interpretada como uma resposta à generalização dos princípios do serialismo integral entre os compositores da geração seguinte à sua. Este é o período do Concerto da camera col violoncelo obligato, composto por encomenda de Mstislav Rostropovitch, do Quarteto de cordas nº 1 e das Sete lembranças para Vieira da Silva. A partir dos anos 70, e com a grande excepção do Requiem para as vítimas do fascismo em Portugal que sintetiza os rasgos mais peculiares do seu estilo, surgem obras com novas características. Neste período, Lopes-Graça inicia a composição de obras em que volta a uma espécie de neo-classicismo revisitado combinado com o uso de instrumentos em agrupamentos que nunca tinham aparecido no seu catálogo. …meu país de marinheiros, a Sinfonietta homenagem a Haydn e as Geórgicas para oboé, viola, contrabaixo e piano, são exemplos desta última fase, sendo esta última obra uma humorística paródia de alguns tópicos rústicos.