O ars ad hoc (Teatro da Vista Alegre), o duo Hellqvist/Amaral (Teatro Aveirense) e o espectáculo La Lontananza (Castelo Branco – Fábrica da Criatividade e Coimbra – Convento São Francisco), com André Gaio Pereira (violino), Ricardo Guerreiro (electrónica) e Pedro Fonseca (iluminação) preencheram o espaço que a Arte no Tempo dedicou à apresentação de música ao vivo durante o mês de Outubro, complementado pelas sessões de partilha musical realizadas no Museu de Aveiro / Santa Joana, com Eugénia Soares Lopes e Ana Paula Ribau.
Um dos muitos aspectos fascinantes de La Lontananza Nostalgica Utopica Futura prende-se com o seu carácter quase inesgotável. A cada momento e em cada lugar, o resulta sonoro é diferente dos anteriores e foi muito interessante observar as diferenças entre os concertos realizados em Castelo Branco (23 de Outubro) e Coimbra (30 de Outubro). No primeiro, com uma acústica quase transparente e num espaço de dimensão perfeitamente adequada ao projecto, o público terá melhor mergulhado no espaço acústico, melhor fruindo a relação entre o instrumento e a electrónica. No segundo, a generosa dimensão da Igreja do Convento São Francisco permitiu explorar a distância tirando partido de outros aspectos da obra. É, pois, um privilégio poder trabalhar Luigi Nono em diferentes contextos, ansiando-se o regresso do projecto, no início de Fevereiro, na Gráfica – Centro de Criação Artística, em Setúbal.
Quase desconhecido do público português, o duo Hellqvist/Amaral trouxe a Aveiro um programa muito bem concebido, com três obras bastante distintas que, cada uma a seu modo, exploram pormenores do repertório clássico, revelando elevadíssimo nível técnico e interpretativo. Kent Olofsson explorou alguns compassos do primeiro capricho de Paganini para violino solo, esticando e espalhando o material em diferentes direcções, do violino para o piano e para a electrónica, com recurso a um teclado MIDI. Natasha Barrett evoca Ravel, Gaspard de la Nuit, misturando-o com sons da cidade. Mais conceptual, Alberto Bernal explora alguns fragmentos da sonata para violino e piano de Brahms, criando um confronto entre elementos tocados ao vivo e diversas gravações da mesma sonata.
A oficina com as intérpretes na manhã seguinte ao concerto (que decorreu a 29 de Outubro) permitiu reconhecer a importância de organismos tão discretos como o duo Hellqvist/Amaral no estímulo à criação, assim como o seu papel criativo e influenciador do trabalho dos compositores e de criadores de outras áreas de expressão.
[6. Outubro. 2020]