Bruno Borralhinho (Covilhã, 1982) | Dresden
violoncelo
Membro da Orquestra Filarmónica de Dresden; fundador e director artístico do Ensemble Mediterrain; integrou a Orquestra de Jovens Gustav Mahler e a Orquestra Mundial das Juventudes Musicais, foi membro da Academia da Staatskapelle Berlin (2004-2006) e estagiário na Deutsches Symphonie Orchester Berlin (DSO), em 2003; estudou na Escola Profissional da Beira Interior (Covilhã), na Universität der Künste, em Berlim, e com Truls Mørk, em Oslo; foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian; premiado em Portugal.
[Arte no Tempo / Orquestra XXI] O que te levou a sair de Portugal em 2000?
Foi um processo bastante natural, quando terminei a Escola Profissional na Covilhã e tive que decidir sobre onde prosseguir com os estudos superiores. A história, na verdade, começou em 1999, quando toquei na Orquestra Mundial das Juventudes Musicais. O professor de naipe, Rudoph Weinsheimer- um violoncelista aposentado da Orquestra Filarmónica de Berlim, com muita experiência e conhecimentos- a certo ponto perguntou-me se eu já tinha pensado em estudar na Alemanha. Confessei-lhe que sim e que, inclusivamente, estava tudo bem encaminhado para ir estudar para Detmold, mas ele insistiu que antes gostaria de me apresentar uma pessoa. E assim foi que conheci aquele que viria a ser o meu professor em Berlim, nos seis anos seguintes, o prof. Markus Nyikos. Houve uma sintonia fantástica desde o início e adorei a Universität der Künste e a cidade. Ou seja, o sr. Weinsheimer acabou por me convencer.
Qual é a vivência mais importante pela qual imaginas que poderias não ter passado, caso não tivesses saído de Portugal?
Claro que há imensas coisas que eu não poderia ter vivido caso tivesse ficado em Portugal, como de certeza que houve muitas coisas que não vivi por sair do país. Numa fase inicial, foi sem dúvida fantástico poder ter aulas e receber ensinamentos de músicos e personalidades que certamente não teria conhecido, ou pelo menos com quem não poderia nunca ter tido o mesmo tipo de contacto, estando em Portugal. Tive a sorte de ter professores realmente muito bons, não só de violoncelo, mas também de música de câmara, por exemplo. E, claro, foi muito especial viver numa cidade como Berlim, com quatro orquestras sinfónicas de topo, três óperas de topo, duas universidades de música de topo, e por aí fora… O dilema diário era, por exemplo, ir ouvir o Quarteto Alban Berg no Pequeno Auditório da Philharmonie, sabendo que para isso não podia estar ouvir a Filarmónica com o Abbado e o Pollini no Grande Auditório, assistir à Parsifal na Staatsoper com o Barenboim e a Waltraut Meier ou ouvir o recital de Hilary Hahn no Konzerthaus.
Ao longo da tua formação, qual foi o ensinamento mais valioso que guardaste e a que recorres com maior frequência?
Que devo ser fiel ao texto (musical) e tentar decifrar o que o compositor pre-tendia ou pretende transmitir. Por vezes é quase impossível e, aliás, é fascinante como de uma mesma obra se podem ouvir interpretações tão distintas. Mas como eu só posso responder por mim, considero que há sempre uma base de informação razoável, no mínimo na partitura, para harmonizar a minha interpretação com a mensagem da obra ou com o estado de espírito do criador que pretendo interpretar. E mais fascinante ainda é verificar que começa tudo do princípio, quando volto a pegar numa partitura que já tinha tocado no passado.
Que características gostarias que Portugal importasse do meio musical alemão?
O meio musical alemão do presente tem um background e uma evolução que vem de há vários séculos atrás e, por isso, é muito injusto entrar em comparações. Eu diria que a essência do meio musical português é saudável e tem crescido a olhos vistos, apesar das constantes limitações em termos financeiros e logísticos. Por isso mesmo, preferiria importar da Alemanha a consideração, o apoio e o reconhecimento que o Poder tem em relação ao próprio meio musical. Com esse apoio, os problemas do meio musical português poderiam com certeza ser abordados de outra forma e combatidos com outras armas.
Há alguma que gostarias que o meio musical alemão importasse de Portugal?
A música portuguesa, sem dúvida. Na Alemanha há muita curiosidade por música ainda “desconhecida”. Esta semana, por exemplo, estamos a tocar uma sinfonia de Hans Rott com a minha orquestra. Alguém conhece? Eu não conhecia! Mas infelizmente a música portuguesa é mais do que desconhecida, é quase um enigma, e seria urgente inverter essa situação porque há música portuguesa com qualidade e que merece ser tocada com mais frequência.
Que futuro imaginas para a música erudita?
A música erudita é imortal e vai existir sempre. A pergunta é: em que condições? Se, por um lado, é provável que tenhamos agora mais música e mais músicos do que nunca, a verdade é que me preocupa muito o tema “público”. Olho para a média de idades do público dos concertos e diria que anda à volta dos 50 anos, às vezes mais. E pergunto-me como será daqui a 20 ou 30 anos. Talvez já alguém se tenha colocado a mesma pergunta há 20 ou 30 anos atrás e esta questão seja uma falsa questão, mas eu considero imperativo o investimento na formação de público e, muito especialmente, no contacto das crianças com a música erudita.
O que te levou a aceitar o desafio de integrar o primeiro projecto da Orquestra XXI?
A ideia pareceu-me excelente desde o primeiro minuto. Numa altura em que se fala tanto do talento que se desaproveita com os jovens que preferem deixar Portugal e estudar ou procurar trabalho no estrangeiro, ora aqui está um projecto de qualidade no sentido inverso. Eu pertenço à ala mais “veterana” do projecto e também a um grupo (muito reduzido) de músicos que já tem uma vida profissional estável no estrangeiro. Mas a esmagadora maioria dos músicos que integram a Orquestra XXI são jovens que ainda lutam para conquistar o seu espaço no meio profissional e pareceu-me, também por isso, quase uma obrigação da minha parte apoiar esta causa.
Em que circunstâncias te imaginas a regressar a Portugal?
Agora mesmo seria improvável regressar de forma definitiva, por motivos pessoais e profissionais; mas no futuro, nunca se sabe. Felizmente vou podendo fazer concertos em Portugal com bastante frequência e um regresso a Portugal não teria aliás que ser absoluto e definitivo. Talvez no futuro apareçam oportunidades para conciliar o meu trabalho na Alemanha com outro em Portugal, mas não gosto muito de estar a fazer futurologia e prefiro dedicar-me ao presente.
Que conselho dás a um jovem português que equacione a possibilidade de se tornar violoncelista profissional?
O meu conselho iria no sentido de apostar numa formação de qualidade e realista. É importante trabalhar muito, mas sobretudo trabalhar bem para poder atingir um nível alto e que nos possibilite ser felizes. Absorver a maior quantidade de informação possível, não só sobre violoncelo mas sobre música e cultura em geral, ser curioso, perguntar, investigar, ouvir muita música e muitos músicos.
fevereiro 2015
© foto Joana Bourgard / Público