Não há-de acontecer assim tantas vezes que, numa mesma semana, o Teatro Aveirense acolha dois agrupamentos estrangeiros dedicados à nova música, fora de uma bienal da Arte no Tempo. Contudo, esse feito verificou-se no início de Outubro, com dois Tubos de Ensaio concentrados no tempo, ainda graças aos adiamentos decorrentes da COVID-19.
…Mas nem foi só isso. Entre os dois Tubos de Ensaio, o agrupamento da Arte no Tempo fez o primeiro concerto da sua temporada regular, em Serralves, preenchendo assim três dias consecutivos com música dos nossos dias ao vivo.
Essa preenchida semana começou com a residência do ars ad hoc em Serralves, intensificando-se com a chegada do Ensemble neoN no dia da implantação da República, graças ao apoio do Fundo de Relações Bilaterais das EEA Grants.
Montagem, ensaios, troca de experiências com a cumplicidade que já se havia desenvolvido nos workshops realizados à distância e na visita do agrupamento da Arte no Tempo a Oslo, a noite de 6 de Outubro estava reservada para a fruição do programa que o Ensemble neoN trazia a Aveiro, preenchido por obras de compositores noruegueses a que se juntou uma obra que Phill Niblock escrevera para o agrupamento e que este registou em disco para a Hubro [2019].
O concerto começou com a flautista Yumi Murakami a interpretar Flock of Me [2015/16], de Jan Martin Smørdal (1978) – guitarrista e compositor que integra o Ensemble neoN desde a sua fundação, logo seguida de uma interpretação de Travelling Light [2014], obra delicada de Kristine Tjøgersen (1982) – compositora e clarinetista, também membro do Ensemble neoN, que escreveu uma obra o ars ad hoc, por encomenda da Fundação Centro Cultural de Belém.
Antes de uma improvisação da cantora Silje Aker Johnsen com Bernt Isak na electrónica, houve espaço para outra obra de Jan Martin Smørdal, em que os músicos do Ensemble neoN interagem com um video do multi-artista e guitarrista Daniel Meyer Grønvold, numa relação semelhante à do clássico concerto com solista – “o video pré-gravado funciona como solista e o quarteto enquanto orquestra, interpretando em conjunto um concerto próximo do sentido clássico do termo.”
O concerto concluiu com a “ruidosa” To Two Tea Roses, de Phill Niblock (1933), após o qual os músicos portugueses conviveram com os convidados noruegueses.
Em Serralves, a 7 de Outubro, o ars ad hoc combinou a estreia da versão sem electrónica do Quarteto de cordas nº 1 [2020] de João Carlos Pinto (1998) com a revisitação do quarteto de juventude – Quarteto de cordas nº 1 [1999] – de Simon Steen-Andersen (1976), compositor em foco na temporada de 2021/22 do agrupamento da Arte no Tempo e, ainda, com a interpretação de uma obra de maturidade de Morton Feldman (1926-87), Clarinet and String Quartet [1983], uma prova de esforço que Horácio Ferreira superou exemplarmente.
©Fundação de Serralves, Anabela Trindade
O mais “novo” dos três concertos foi, porém, o que o hand werk deu na Sala Estúdio do Teatro Aveirense, na noite de 8 de Outubro.
Com um programa bem ao gosto da Arte no Tempo, em que a música de Simon Steen-Andersen ocupou um papel central, alternando com obras muito diversas dos restantes compositores, o concerto do agrupamento de Colónia abriu com uma “obra para luzes” de Simon Løffler (1981), para três executantes – b [2012].
Houve espaço para uma obra de Niklas Seidl (1983), compositor e violoncelista do agrupamento que, com Daniel Agi, interpretou ich mag müll [2012], para piccolo e caixa de cartão. De Jessie Marino (1984), a mesma dupla fez uma incrível performance de Endless Shrimp [2015], para dois executantes e video.
Concluindo o conjunto de peças que alternaram com música de Steen-Andersen, o hand werk estreou a obra Grid [2021], que a Arte no Tempo havia encomendado a Inés Badalo (1989) para o concerto do ars ad hoc (entretanto adiado) paralelo à exposição Louise Bourgeois: deslaçar um tormento, da Fundação de Serralves.
Depois de Im Rauschen [2012], para piccolo, flauta, clarinete e electrónica, Stille, Töne [2012], para piccolo, flauta, clarinete e electrónica, e In sich hinein [2012], para piccolo, flauta, clarinete e electrónica, o hand werk interpretou uma versão de Asthma [2017], para para fole, clarinete, violoncelo, recitante (e video), despertando no público presente grande curiosidade relativamente à linguagem dos diferentes compositores apresentados.
© Joana Magalhães / TA
Essa semana especial terminou com a oficina com o hand werk, focando diversos aspectos técnicos e estéticos do programa apresentado na noite anterior.
…E é tão bom quando as discussões passam de umas mesas para outras…
[31. Outubro. 2021]